Quando Vila Flor acabou!


A Historiografia tradicional apontava que a razão da mudança da sede da freguesia e do município de Vila Flor para o Povoado de Uruá teria sido provocada por um descontentamento entre Sebastião Policarpo e o padre José de Matos, políticos influentes na região.
Sebastião Policarpo de Oliveira era o dono do engenho Juncal, muito ligado à família Fagundes e representante do Partido Conservador. José de Matos Silva era o vigário de Vila Flor, Deputado Provincial e dono do engenho Angelim. Ao seu lado estavam o capitão Anacleto José de Matos, seu irmão, e Galdino Álvares Pragana, tabelião local.
Aparentemente essa transferência da sede do município de Vila Flor para o povoado do Uruá teria ocorrido apenas pela vontade de um sacerdote político. Se existiu alguém contra, além de Sebastião Policarpo, não há notícias. Nenhuma manifestação popular, nenhum protesto.
Em 1857, o padre José de Matos fez a primeira tentativa de transferência do município, mas o projeto foi devolvido por não conter boas razões. Mesmo sendo um membro destacado do Partido Liberal, que dominava a província, o padre teve que esperar por outra oportunidade que só surgiu mais de um ano depois.
Aparentemente a família Maranhão estaria interessada na transferência de Vila Flor para o povoado de Uruá, pois a História oral registra que o nome Canguaretama teria sido uma sugestão de Dendé Arcoverde, dono do engenho Cunhaú. Do mesmo modo, no ano de 1858, o casamento de Dona Maria Umbelina selava a união da família Maranhão com um parente do padre José de Matos.
Foi aproveitando-se da saída de Antônio Machado da Costa Dória da presidência da província, que o projeto foi reenviado para o seu substituto, Antônio Marcelino Nunes Gonçalves. Nada foi mudado do projeto anterior. A aprovação foi quase automática, sem discussão; parecia combinado.
Desta forma, entrou em vigor a lei nº 367 de 19 de julho de 1858, que elevou Uruá à sede do município com o nome de Vila de Canguaretama. Vila Flor se torna, então, um povoado subordinado ao novo município criado. Na época, em Uruá não havia sequer uma igreja e as celebrações religiosas passaram a funcionar em um armazém.
Não é possível observar o fato da mudança da sede administrativa do município vendo apenas as questões políticas. É preciso observar também as mudanças significativas que a província do Rio Grande do Norte passava por na segunda metade do século 19. Nessa época novos engenhos surgiam na região e um rápido desenvolvimento da atividade comercial atingia o povoado do Uruá.
Contribuiu para isso a morte de André de Albuquerque Maranhão, em 1817, que provocou uma nova dinâmica na distribuição agrária da região do vale do Cunhaú. Além disso, ocorria um processo diferenciado na aquisição de terras, através da posse, entre a institucionalização da Independência (1822) e a adoção da lei de Terras (1850).
Na primeira metade do século 19, Vila Flor parecia em decadência como comprova José de Souza Azevedo, que em 1820 a descreveu como pouco povoada e com poucas casas. Em 1832 foi implantada uma escola, mas a expectativa de desenvolvimento não correspondeu ao que era esperado, pois a vila chegou a ser reconhecida como município autônomo pelo governo imperial, em 1833.
Em Relatório apresentado à Assembleia Legislativa da província, em 7 de setembro de 1839, o Presidente da província, Manoel de Assis Mascarenhas, alertava que a Igreja Matriz de Vila Flor corria o risco de ruir se não fossem feitos reparos.
Em 1843 a igreja matriz de Nossa Senhora do Desterro foi reedificada. Nessa obra parece ter corrido mudanças que implicaram na perda de muito das características originais do prédio. Um possível convento dos padres carmelitas não foi reedificado, o que aponta para o declínio que ocorria.
Quando, em 1839, o Bispo Dom João da Purificação esteve em Vila Flor, não mencionou o estado precário da Matriz, mas observou que não havia presos na cadeia. Esse fato não deveria ser por falta de crimes, mas por falta de policiamento ou de condições de manter os presos.
No demonstrativo da arrecadação da província de 1841 aparecem apenas os impostos pagos sobre o gado e rapaduras de Vila Flor, que totalizaram 97$300 réis. Se comparados a municípios vizinhos, essa quantia representava pouco, pois São José e Papari chegavam a arrecadar 1.142$700 no mesmo período. Já Goianinha, no mesmo período arrecadava 1.422$500 réis com uma variedade maior de produtos.
Em relação à educação os relatórios evidenciam também o declínio. Em 1839 havia 23 alunos na escola de Vila Flor, todos do sexo masculino, e 12 na escola de Tamatanduba. Em 1841 os alunos de Vila Flor caíram para apenas 7 e os do povoado de Tamatanduba aumentaram para 16. Em 1858 o número de alunos aumentou para 29 alunos, mas não há mais o registro da escola de Tamatanduba. Em seu lugar surgiu uma escola no povoado de Uruá com 22 alunos.
No pronunciamento do Presidente da província do Rio Grande do Norte, Antônio Bernardo de Passos, dirigido à Assembleia Legislativa Provincial, em 4 de julho de 1854 aparecem a indicação de todos os 144 engenhos da província. Desses, 16 eram no município de Vila For, 11 deles já possuíam moenda de ferro.
Apenas os engenhos Igramació, Juncal e Angelim foram erguidos no vale de Gramació, nas proximidades de Vila Flor. O açúcar era o produto dominante da economia potiguar na segunda metade do século 19, entretanto as terras melhore para o cultivo na da estavam no vale do Cunhaú, mais próximas do povoado do Uruá.
Os engenhos Paul, Tamatanduba, Maranhão, Cruzeiro, Boa Vista, Cunhaú, Outeiro, Jiqui, Estrela, Curimatú e Pirari foram erguidos no vale do Cunhaú e deveriam exportar a produção pelo porto da Barra do Cunhaú. Todos esses engenhos já existiam em 1854 e ajudaram a desenvolver o povoado de Uruá, o que favoreceu seu crescimento econômico.
A transferência da sede administrativa foi, então, inevitável. No Relatório de Província de 1859, a vila de Canguaretama já aparece como município e Vila Flor como povoado.

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