Estudar história pra quê?
Todo professor de história já foi interpelado por seus
alunos com alguma das seguintes perguntas: “Para quê estudamos história?” “Qual
é a utilidade de saber sobre coisas que aconteceram e pessoas que viveram
quando eu nem era nascido?
A leitura do célebre livro de George Orwell, 1984,
deu-me pistas valiosas para compreender a importância da pesquisa e do ensino
da história. Na obra de ficção, publicada pela primeira vez em 1949, Orwell
imagina como seria uma sociedade do futuro dominada por poderes autoritários.
Nessa sociedade, os indivíduos viveriam controlados pelo Estado, personificado
na figura do governante, o “Grande Irmão”. Tal controle incidiria, sem brechas,
sobre cada detalhe da vida das pessoas, inclusive sobre seu pensamento.
Característica peculiar do mundo criado por Orwell é que ele
não tem memória. Ou, para sermos mais exatos, suas memórias são fabricadas de
acordo com os interesses momentâneos do partido regente. A notícia
publicada ontem pode ser alterada hoje, se for necessário para manter a
“estabilidade política”; nesse caso, qualquer vestígio de que um dia a
informação substituída existiu é apagado. O objetivo desse procedimento
constante é resumido por Orwell na máxima atribuída ao partido: “Quem controla
o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.
Embora não vivamos em uma realidade idêntica à do livro de
Orwell, fora da ficção o passado e a memória também são instrumentos de
exercício de poder. Um exemplo bem próximo de nós se refere à história do Brasil
após a ditadura que durou de 1964 a 1984. Visando legitimar o governo instalado
pelo golpe civil-militar, as forças sociais e políticas que o apoiavam se
empenharam por caracterizar o ex-presidente João Goulart como um homem frágil
ou mesmo uma ameaça para o país. Mais interessante ainda é perceber o efeito
duradouro dessa desconstrução: durante muitos anos, Jango ficou esquecido na
memória nacional, até que recentemente a historiografia decidisse revisitar
esse obscuro personagem.
Qual seria o papel do estudo da história nesse contexto? É
exatamente neste ponto que se insere a percepção da construção do passado e da
memória como um exercício de poder. Ser capaz de uma observação crítica pode
ser o antídoto para a manipulação através da [des]informação. Ao conhecermos a
história de nosso país, deixamos de ser receptores passivos das memórias que
nos são transmitidas e desenvolvemos a capacidade crítica sobre nossa
sociedade, compreendendo-a melhor e participando ativamente da construção da
mesma.
*Roberta Valle do Amaral, bacharel em história, é pós-graduada em dificuldades de aprendizagem e auxiliar de Documentação na Fundação Biblioteca Nacional. - robertavalle.a@gmail.com
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