Homero Homem, quase esquecido

Dorian Gray Caldas - Artista Plástico, escritor
Encontro no sebo um livro de Homero Homem datado de 21/03/1979. Aliás 3 livros em um só: Terra Iluminada, País do Não Chove e Lá Fundamental. Edição Presença e Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fotos de Carlos Lyra (Canguaretama à noite, e montagem do autor). Livro de doação a Natal, a Canguaretama, onde nasceu o poeta, em 1921, no Engenho Catu RN de propriedade da família Siqueira Cavalcanti. Descendentes de Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, fundador do Forte dos Reis Magos, ao qual Homero Homem se refere no poema Mensagem.
...”Mascarenhas Homem festejava
Pelos mangues, com água pelos peitos,
Descarga de arcabuz, toque de sino
O nascimento daquele Menino.”
Homenagem ao menino Jesus, que “ia crescer varão, virar cidade”.
O livro de Homero é uma homenagem ao Rio Grande do Norte, a Natal, aos amigos inúmeros, que ele em vida fez e preservou. Nas “FUNDAÇÕES” ele homenageia Alvamar Furtado de Mendonça, nosso grande causeur, brilhante, loquaz, improvisador, orador, advogado, juiz de direito trabalhista, inteligência fulgurante, porte de nobre inglês, pescador de almas; cotidianamente no exercício / marinheiro na praia com os amigos. Pesquisador de cinema, jazz e educação. Numa sala improvisada, na casa do meu pai, ele e Otávio meu tio, e Veríssimo de Melo, só lembrando os de meu afeto, improvisavam uma jazz band, a primeira, aliás, se não me engano, e com direito a refresco de mangaba e aplausos, isto em 1935. Voltando ao Homero Homem, ele sempre foi generoso nos seus afetogramas, aos amigos, os daqui e os da Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro, e os da Academia de Letras do Rio Grande do Norte. Veleidades humanas e reciprocidades possíveis. Não foi eleito nem para Academia Brasileira de Letras nem para a nossa Academia. Uma perda irreparável para as duas Academias. Isto não lhe diminuiu o ritmo generoso do verso.
“Quem toca este livro
Alcança um povo” (Walt Whitman).
Quem lê este livro de Homero Homem toca a alma desta cidade Natal, iluminada por mil sóis de verão, país que raramente chove, aberta ao aventureiro, magnífica pelos seus encantos naturais, pródiga por vocação turística, e muitas vezes inconseqüente na sua doação de mulher-amante. Fácil de ser conquistada, como abrir um guarda-chuva na expressão de Ney Leandro de Castro no seu belo poema; tão fácil ao estrangeiro como difícil às vezes aos seus legítimos herdeiros ou do mesmo sangue noturno na expressão do saudoso poeta Franco M. Jaziello; herdeiros deste mar e destas “noites de goma” do poeta Itajubá, o que era poeta, viveu e sofreu por Branca a sua amada em poesia. Quem lhe via assim cantando a sua amada não sabia a suas privações de vida e alma.
Mas o poeta Homero Homem de nobre nascimento:
“Repousa a avó, em seu divã de pontes
no fundo de uma Recife submersa
entre aléias e lousa de marfim”
Menino de asas, habitante desta Natal, conhecedor das “Rocas profundas”  do poeta Sanderson Negreiros, oceânico muito além dos “arrecifes na pancada do mar”, além da cartografia que El-Rei mandou fazer além da cinza da pólvora do domínio português. Esta terra de índios, este vento terral foi e ainda é, poeta, este oceano Homérico de ilhas remotas, “na agulha do vento e a linha do horizonte” de tanto mar assim pela sua vocação do nome, sabia e prometia o que a sua destinação já presidia. No vento alísio do condor “Vento prático- da Barra, guiador
De iluminados itas passageiros,
Navi/velas, barcaças a motor.
Eurafricano alísio entregador
De alegrias postais; transoceânica,
Alada cortesia
Dos hidros da Panair”.
 Linha do vento para Zila Mamede, Newton Navarro e Manuel Onofre Júnior, uma só direção: “da niveazulada ponta, negra ao sul”. Rede de armar ao vento, o poeta elege a grande poetisa Zila Mamede, e seu mar de tantas braçadas e tantos “navegos”, afoitos, pelo mar que ela fazia vencendo a onda, bravia, vencendo a morte que um dia em pleno sol, “não em dias assim, tão belos!” (Manoel Bandeira) levou de nós, sua alma bailarina.
Navarro lhe agradece, poeta, e lhe oferece por conta, uma circunavegação entre o velho rio e o mar, numa noite calmosa ao largo do Rio Potengi. Manoel Onofre também lhe agradece reescrevendo a história da cidade num Breviário de emoções, e por afeto pelos que ainda estão em riba desse chão que nós amamos. Os dois primeiros dormem no tabuleiro sem flores do Alecrim. “Ah! Como cheirava a Alecrim!” Com soluços de violões noturnos, com “braçadas de junquilhos Pétalas de cal, punhados de jasmim”.
Tempos que não voltam numa cidade enfeitada de flores de verão, de bandeiras festivas num São João ou Missa do Galo ou entorno do presépio numa tarde de dezembro ou um nunca mais. Lembro que ao cair da tarde no alto de Petrópolis, na última vez que nos falamos e ainda havia aquele mirante diante do mar; Homero Homem falava dos velhos pescadores da Redinha, dos catraieiros do canto do mangue, das dunas e dos guaxinins, e das rocas onde o mar recua, e da palha leve das palhoças, numa prosa poética, memória de marés e luas brancas. Janeiros que existiam no calendário do poeta-marinheiro. Assim era o poeta Homero Homem, fazendeiro do mar, menino de asas, navegador, passarinho mariscando nas praias, a memória das coisas todas presumíveis, improváveis, impossíveis, agora só história. Mas para contá-las ainda temos, Deífilo Gurgel, também homenageado, Diógenes da Cunha Lima, Sanderson Negreiros, Manoel Onofre Júnior, Dione Maria Caldas Xavier, poeta e filha de poeta, e in memoriam, Luís Maranhão; pés descalços, braços nus, sem arma, sem lenço, sem documento o que viveu a grande aventura heróica e morreu de pé. E ainda estão aí Cleanto Homem de Siqueira Cavalcanti na linha do seu parentesco, e os redivivos pela poesia, Rachel de Queiroz, a doce Rachel, Palmira Wanderley, a meiga Palmira e os amigos do sabadoyle, da intimidade confessional da poesia que você poeta, de tanto dizer se fez menor, de tanto abraçar se fez humilde, de tanto se doar perdeu o sim, as suas pretensões mais legítimas e mais nobres.
Nós o queremos, sim, irmão da poesia universal; queremos reeditá-lo como merece, revisado, perempto, alto, largo como um rio profundo:
Homero Homem de Siqueira (Mascarenhas) Cavalcanti. Homérico.

Copiado de http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=387

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