CHOVIA PEIXES EM CANGUARETAMA
Copiado de http://www.luizberto.com/um-texto-de-geraldo-pereira/chovia-peixes-em-canguaretama
O meu tio Cícero – Cícero
Fernandes de Macedo – era uma figura; uma figura quase folclórica. É
aquele que dizia, em alto e bom som, que se o homem chegasse à Lua não
encontraria nada além de uma grande plantação de alface. Não sei porque
alface? Não viveu, infelizmente, para saber que sua afirmativa profética
não foi confirmada. Ou era aquele que lia toda a obra psicografada do
espírito Ramatis e a distribuía com os principais padres do Recife,
inclusive Dom Helder Câmara.
Gostava de conversar com ele e
de perguntar – perguntei isso dezenas de vezes – como tinha começado a
vida: “Como cachorro, meu filho!”. Era o que respondia sempre, para
justificar que em seus inícios apenas varria o salão de uma antiga
venda, como aquelas que conhecemos no Recife, de balcão ensebado pela
charque e o “fígado de alemão” cortados ali, sem falar no bacalhau dos
pobres e remediados da sorte.
Não suas tentava as urinas e por
isso tinha uma bexiga externa, de borracha, a qual era esvaziada, de
hábito, no “quem me quer” da rua da aurora. É que tivera seguidos
episódios de gonorreia e ficara, depois de um tratamento longo, com essa
incapacidade de micção. Certa vez, contou isso, estava em Canguaretama,
no interior do Rio Grande do Norte e teve uma urgência urinária, sem
conseguir de forma alguma eliminar as urinas, razão para usar um graveto
do solo e com ele romper a cicatriz em segunda intenção de sua uretra.
Um horror isso! Mas fez!
De Canguaretama contava que
quando chovia ali era uma beleza, pois a chuva vinha acompanhada de
peixes. Eu ficava perplexo com isso e indagava a explicação para o quase
milagre. É simples, dizia, as ovas sobrem às nuvens quando do processo
de evaporação e por lá se desenvolvem, viram peixes, esses crescem e
descem à primeira tempestade. Eram espécimes dos mares e dos rios,
afirmava com toda ênfase. Incrível isso! Essa foi a maior mentira que já
ouvi em toda vida! Valei-me!
Jogava baralho conosco, comigo e
com os meus amigos da rua e ganhava todas as partidas. Só depois
descobri que guardava cartas importantes sob a mesa. Reis e damas,
valetes e coringas, eram postos numa reentrância de um campo de botão
improvisado em tabuleiro de jogos e resgatados quando a partida ia
terminar. Resultado, batia todas! Um barato essa coisa! Não estava nem
ai para o exemplo que devia dar.
A mulher, a quem roubara de casa
aos 15 anos, chamava de “benzinho”, enquanto ela o tratava por
“Cicinho”. Viviam assim, numa lua de mel que já fora de fel, porque o
homem aprontara todas que se imaginar com o sexo oposto e considerado
fraco. Fugiu com ela e foi exercer o seu ofício de “cachorro”, só depois
fazendo um concurso para a Alfândega, em cujo programa estava as quatro
operações, das quais só sabia duas. E foi com uma soma e uma subtração
que alcançou seu cargo. Era o anjo da guarda de meu pai nas horas
difíceis, numa viagem qualquer fora do estado ou do País ou num aperto
financeiro.
Quando os velhos viajaram à
França, assumiu a família. E numa ocasião, briguei com um padre, meu
professor de matemática, mandou que continuasse a discussão iniciada no
dia seguinte, deu corda. Não quis saber de briga, já estava grande e não
segui os seus conselhos: “Fez muito bem! Amanhã faça mais!”. Não fiz!
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