A VELHA MARIA CUNHAÚ DO ENGENHO OUTEIRO
MARIA CUNHAÚ
Francisco Galvão
Sociólogo
Entre
os membros da famosa família Maranhão do engenho Cunhaú existiu uma senhora que
o povo contava histórias que o tempo guardou. Seu nome de registro já nem
importa muito, pois de Maria Cunhaú ficou conhecida por todos. Sobrinha do
histórico André de Albuquerque Maranhão, vivia de arengas com o irmão, Dendé
Arcoverde, herdeiro das fortunas do Cunháu.
É
muito interessante como esses personagens da aristocracia açucareira do século
XIX foram tratados pela memória popular e chegaram até os livros acadêmicos
pelas letras de Câmara Cascudo. O intelectual era fã dessa Família
aristocrática que dominou o litoral sul do Rio Grande do Norte, mas repetiu as
mesmas palavras que ouviu dos populares em sua Actas Diurnas, quando tratou
daqueles membros mais arquétipos.
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Sem
preocupações profundas, ela foi avançando na idade. Nunca encontrou um varão
que lhe domasse. Suas preocupações era comer e dormir sem incômodos. Em suas
viagens curtas por seus domínios, seu cocheiro apanhava mais que os cavalos que
puxavam a charrete. Internou-se em sua própria ignorância, vivendo isolada em
seu próprio mundo.
O
irmão afirmava que ela era louca e não tinha condições de administrar a
propriedade que possuía. Por isso pediu na justiça o direito de posse sobre as
terras da irmã. O caso fez com ela ficasse mais perturbada ainda. Dizem que ela
deixava os escravos pregados pelas orelhas no portal de trás e gritava
esbaforada por eles na varanda da frente.
Gostava
de ser atendida, gostava de mandar e, por isso, morria de medo de perder as
terras que possuía nas lamacentas várzeas de Canguaretama. Quando lembrava que
podia perde tudo, se desesperava e era sua escravaria que sofria as
consequências diretas. Havia choro, ranger de dentes, fogo e dor. As marcas
ficavam no corpo e todos seus escravos possuíam sinais claros de suas torturas.
Ficava
desesperada com a situação, mas nem seu advogado conseguia reverter o processo
de perda das terras para o seu irmão. No século XIX uma mulher solteira não
teria chances nos tribunais machistas e opressores. O advogado de Maria Cunhaú
era Amaro Cavalcanti, um jovem muito talentoso na política, mas que via a
situação de sua cliente se agravar nos tribunais.
Ele
entendia bem do Direito e sabia perfeitamente que a velha perderia as terras
para o irmão. Por esse motivo, ele fez um último e admirável esforço para
reverter toda aquela situação adversa. Astucioso que era, foi até o engenho
Outeiro e se ofereceu em casamento para a velha. Convenceu-lhe que, desse modo,
ficaria como tutor legítimo dela e que, só assim, salvaria suas posses da
ganância do irmão.
Ela
teria aceitado sem nenhuma relutância. O advogado de fino trato agia de forma
exemplar e encantadora, levando a velha ao êxtase. Ela não poderia se negar,
mas se envolveu profundamente com aquele galã adorável. O trato era bem
elaborado, mas dentro de um acordo simples: ele seria um marido sem exercer as
funções nupciais.
Ela
morrida de ciúmes e fazia sofrer as escravas jovens. Quebrava os dentes das
coitadas para que não atraíssem o olhar do jovem príncipe que surgia naquelas
terras. Marcou com ferro em brasa o rosto de cada uma para arrancar-lhe a
beleza. Ficava admirando os presentes que recebia, espalhando vestidos sobre a
cama que dormia solitária. Em seu ócio improdutivo ficava brincando com
dinheiro velho, suas moedas carcomidas pela passagem dos anos.
O
advogado nunca morou com a velha. Apenas esperou, pacientemente, seu
falecimento para herdar a propriedade. Ficava a lhe agraciar, de longe, com
presentes que ela acumulava na casa-grande do engenho. Dizem que ele foi embora
para morar com a tal “Ressuscitada” no capital do império, onde viveu como um
príncipe, quem sabe com as moedas que Maria Cunhaú guardou por tanto tempo.
Esse arquétipo de mulher sádica não foi único
no Rio Grande do Norte. Em Ceará Mirim, outro centro de produção açucareira,
tivemos uma figura feminina que infringia os mesmos castigos físicos aos seus
escravos. Em seu porão, ela sempre tinha um
escravo para torturar. A senhora do engenho
Timbó era tão cruel e desumana com seus escravos, que outros proprietários de
engenhos e de terras se revoltaram com sua prática.
A senhora faleceu repentinamente e seu
corpo se transformou em uma serpente. Seu túmulo, devido as grandes
rachaduras, teria sido acorrentado para manter a serpente presa. Seu esposo,
que temia sua crueldade, mudou seus hábitos com os empregados.
Maria Cunhaú foi um arquétipo entre os
senhores de escravos no Litoral Sul e que encontra parâmetros em outros locais.
Fruto da oralidade fantástica de um povo que contava sua versão de história
como forma de resistir.
Que louca hein,mas muito interessante essa história eu não conhecia! obrigada...
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